quinta-feira, 2 de agosto de 2007

::Entrevista com Ricardo Caruana - Sobre Meio Ambiente

· RICARDO CARUANA,

Professor da Escola da Cidade, a faculdade de arquitetura mais elogiada de São Paulo e semeia uma idéia que revoluciona tudo o que se pensou até agora nessa profissão que, antes de mais nada, é uma das 7 artes.

· IDÉIA REVOLUCIONÁRIA:

Fixar carbono na madeira aplicada na construção civil.

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ENTREVISTA DADA À REVISTA “CAROS AMIGOS. JULHO/2007, ANO XI, Nº 124.

Sérgio de Souza: Quando você começa a ligar arquitetura e meio ambiente ?

Durante 3.000 anos de arquitetura a gente pensou forma, função, estrutura. Faz uns vinte anos que começamos a perceber que a essas três premissas tem de juntar mais duas: a economia e o meio ambiente. Com a revolução industrial, pela primeira vez os ricos tiveram que pensar arquitetura para os pobres. Antes os pobres pensavam arquitetura sozinhos. Faziam as casas deles no campo. Mas, vindo eles para a cidade, começou o arquiteto a produzir habitação popular. Aí entrou o eixo economia. E agora o eixo ambiental, que nunca mais sairá do pensamento arquitetônico. Porque, quando você faz arquitetura, está ocupando o cosmo. Se pintar um quadro, pode deixar no porão de casa e ele existe. Se quiser escrever um livro, escreve e ele existe. Se quiser dançar, dança. Se quiser fazer música, pega o violão. Arquitetura, não. É a sexta arte, é a arte social e coletiva. Fez arquitetura, ocupou o espaço de todos nós, pôs um negócio ali e naquele lugar ninguém mais põe nada. Então aí já tem uma questão ambiental, só por ocupar o cosmo. O problema é que você ocupou o cosmo e o material também. E aí violou a mãe terra, foi lá pegar o calcário para fazer cimento. Estourou a montanha para fazer brita. Desviou o rio para pegar areia. Furou a terra para pegar minério de ferro. Jogou a floresta dentro dos fornos da siderúrgica para reduzir o minério em aço. Então, você fez arquitetura mexendo com o meio ambiente, usando para você uma coisa que era de todo o mundo. E, se você destruiu para construir, é uma questão extrativista, uma equação quase pré-histórica, quando as pessoas caçavam para comer. O pulo que a humanidade deu quando saiu do extrativismo e entrou na plantação foi gigantesco. Sedentarizou-se, fez cidades. Criou as civilizações. Não sei se neste momento não temos que dar um pulo análogo. Hoje, no que diz respeito à construção civil, a gente destrói para construir. Mas a gente não poderia construir para construir ? A gente não constrói uma floresta para construir casas ? Por que precisamos permanecer nessa equação extrativista ? Aí é que começa o vínculo forte com o ambiente, porque agora estamos em uma emergência, está soando o alarme. Temos que resolver uma encrenca que inventamos com esse negócio de poluição, CO2, do efeito estufa, que está dando o aquecimento global. E temos que fazer alguma coisa porque é possível fazer. Não havia o buraco de ozônio ? Não está fechando ? Não foram feitas leis draconianas ? Tira o CFC da geladeira, do ar-condicionado ? Do ponto de vista do CO2, não podemos seqüestrar carbono ? Podemos. Isso, todo o mundo entendeu. Planta uma floresta, a madeira é carbono, vai pegar CO2 da atmosfera, vai devolver o O e vai ficar com o C, porque ela é C, é carbono.

Lana Nowikow : Você pode explicar didaticamente essa relação ?

Quando você pega uma madeira e analisar, verá que tem 1 por cento de sais minerais e 99 por cento de carbono. Esses sais a árvore pegou na terra e os 99 por cento, na atmosfera. Comeu poluição. Do mesmo jeito a gente bebe leite para fazer os ossos, a madeira bebe a atmosfera para fazer o tronco. Aí, parabéns, seqüestrou carbono, aqui está a medalha.

Lana Nowikow : Quantos anos ela passa seqüestrando ?

Enquanto cresce. Chegou à medida inteira dela, não precisa seqüestrar mais carbono.

Lana Nowikow : E uma árvore no nosso clima leva quantos anos para... ?

Depende da espécie, tem árvores que chegam à idade adulta em doze anos. Bom, a árvore está adulta, parabéns. Mas agora o que vai acontecer ? Você vai negociar com o terrorista e pagar o seqüestro. Porque, se deixá-la apodrecer, volta o carbono para a atmosfera, por sua biodecomposição. Se você fizer pasta de celulose, um dia o jornal lá no lixão decompõe-se e volta o carbono. Se fizer carvão vegetal, você usa, joga nos fornos da siderúrgica, volta o carbono. Qual a solução ? É não pagar o resgate. Você pega a madeira, faz uma mesa, uma cadeira, uma porta, uma viga, um batente, uma escada, uma coluna, o CO2 não volta, é o que a gente chama “fixar carbono”. O problema é : onde fixar o carbono para ele não voltar? Então vem esse vínculo da madeira com a construção civil. A atividade de maior escala da história da humanidade é a construção civil, as cidades Tóquio, Xangai, México, São Paulo, Nova York, aí tem muito metro cúbico de algum material. Se você enfiar para dentro desses metros cúbicos a madeira, em forma de pisos, portas, vigas, etc., vai fixar o carbono ali e ele não volta mais, pelo menos em cinqüenta, cem anos. Paris tem mil prédios de estrutura de madeira e ninguém sabe, porque estão disfarçados com reboco. São de 1400, 1500, 1600. Então, se der para seqüestrar e fixar para 200 anos, daqui a 200 anos a gente pensa outra coisa. Hoje, a melhor solução é enfiar o CO2 pra dentro da construção civil.

Thiago Domenici : E o Brasil nessa história como entra ?

O Brasil é o maior captador solar do mundo. Tem a maior possibilidade de usar o solo, o território, a umidade, produzir fotossíntese e seqüestrar carbono, por conseqüência tem a maior possibilidade de produção de madeira do mundo. E, produzindo madeira, pode produzir etanol, porque daqui a pouquinho vão perceber que cana é fichinha, vão fazer energia com madeira, não será com essas coisinhas que crescem e têm pouco carbono lá dentro delas, vão fazer com madeira. Mas e aí? Você plantou para andar de carro e o carbono voltar? Não fixou nada. O problema é fixar. E o Brasil pode ser o maior exportador do mundo de componentes para construção civil.

João de Barros : E o poder econômico dos setores do cimento, do metal e outros materiais, como você avalia isso ?

A lógica econômica vai prevalecer. Sempre prevalece. O poder monopólico tem sua lógica: se eram monopolistas do cimento, serão da madeira. De qualquer maneira, estamos mexendo com uma coisa em que os pequenos vão poder existir. Na siderúrgica, os pequenos não podem existir. Na cimenteira também não. Precisa de uma imensa concentração de capital para fazer a cimenteira, para fazer a siderúrgica, enquanto um prefeito de uma cidade pequena pode plantar madeira nas terras municipais e todos os anos cortar, para resolver o problema habitacional do município dele. É só começar.

Lana Nowikow: Se cada município produzisse madeira para a construção civil, isso poderia resolver o problema habitacional do país ?

O Brasil tem condições geográficas para isso. Não tem condições políticas. O Brasil ainda não é uma Finlândia ou Suiça. O Oscar (Niemeyer) falava pra gente : Brasília não pode ser a cidade do futuro porque o Brasil não é a sociedade do futuro.

Lana Nowikow: E o investimento necessário para cada município ter essa condição?

O investimento para plantar madeira é desprezível. Você não gasta energia. Bota uma sementinha que não custa nada, e um sujeito que tome conta para que a formiga não coma. E todo o dia a energia chega do sol, o negócio cresce, é impensável que a gente não faça isso. Daí que digo que vamos fazer.

Sérgio de Souza: Qual a diferença do custo de uma casa feita com tijojo, cimento, metal e uma de madeira?

Hoje custa a mesma coisa, porque não existe a cultura. Se for fazer muitas casas, baixa 20 por cento, 30. Quando virar cultura, custará a metade. Nos Estados Unidos, 74 por cento dos metros quadrados habitáveis são de madeira. No Canadá, 94 por cento. Países nórdicos, 94. Suiça, Alemanha, Aústria, Dinamarca, Finlândia, Noruega, são países que têm 75 por cento de metros quadrados habitáveis em madeira. Agora, em vez de ser puristas, precisamos consorciar madeira dentro das estruturas de concreto. Não precisa brigar de frente. Se a gente parar de fazer porta de chapa de alumínio, de plástico, etc, já melhora. Se parar de fazer cimentícios, plastitificados, já melhora. Daqui a pouco, 90 por cento das pessoas estarão dentro das cidades.

Thiago Domenici: E a tecnologia para empregar madeira? Como está?

Hoje, um estudante de engenharia tem 4.000 horas de aula. Acho que não tem catorze de madeira. E, das que tiver, será para aprender a fazer molde de concreto. Só ali vai encontrar a madeira na vida dele. Então, um : precisa mudar os programas universitários. Dois : a mão-de-obra para madeira não precisa ser virtuosa como a de fazer galeões no século 17. Ou violinos. Ao contrário. Os projetos terão de ser suficientemente simples e eficientes para que possam ser montados por qualquer um; e esse qualquer um nós temos, justamente o sujeito que faz a fôrma. Se o Brasil não tivesse carpinteiro, o Oscar Niemeyer não poderia nunca ter realizado as formas maravilhosas que realizou. Aquilo tudo que a gente vê maravilhoso de concreto era de madeira antes. Quem fez? O pessoal está aí. Agora, me preocupa a possível avacalhação do conceito. A madeira tem uma linguagem, uma tecnologia absolutamente específica, que a gente tem de aprender. É uma lógica interna dela — que não é igual à do metal nem à do concreto; e que é difícil, não adianta ouvir o galo cantar e sair fazendo porque dá errado. Isso me preocupa, porque tudo o que se fizer de madeira mal feito levará a coisa a andar pra trás. Temos que fazer e só usar madeira com tecnologia e conhecimento.

Michaella Pivetti : E atualmente no Brasil quem pensa como você?

Tem algumas experiências isoladas interessantes. Algumas indústrias estão fazendo coisas, mas com matrizes do pensamento muito antiquadas. Não somos a Noruega, não adianta empilhar tronquinho, não adianta ficar sobre a madeira nativa e comer a Amazônia para fazer casa, não se trata disso. Esse começo no Brasil ainda é muito pequeno, não é representativo. Agora, ele virá, porque a juventude já entendeu muitas coisas, está preocupada e procura. e quer fazer.

André Herrmann: Mas essa equação só vai fechar com a demanda, não?

Você sabe o que gera demanda? A beleza. Todo mundo quer o que é bonito. Quando começarem a ver as primeiras coisas bonitas de madeira no Brasil, e não só reservadas a uma burguesia esclarecida, todo mundo vai se interessar. Quando apareceu a Torre Eiffel, todo o mundo começou a se interessar pelo metal.

André Herrmann: E essa demanda viria do setor público ou privado?

Tem de vir do dois. O que não pode é fazer maquiagem de conceito. Tem alguma instituições muito bem intencionadas que se dizem ecológicas e na verdade estão fazendo cosmética. Só. Vão lá, botam uns painéis de madeira, um piso, mas não fazem um balanço realmente energético dos materiais que estão usando e como. Não são a expressão da arquitetura que virá; são ainda expressões muito marqueteiras.

Lana Nowikow: E as chamadas madeiras nobres continuariam preservadas em suas florestas de origem?

Aí você tem uma questão de tesouro. A floresta nativa é um tesouro, uma herança que o planeta deixou pra gente, que no caso caiu em sete países, em volta da Amazônia, e nós pegamos mais. Esse tesouro você pode fechar a caixa e ninguém usar, você pode morrer de fome e o tesouro fechado, seria ridículo. Ou pode gastar ele inteirinho e não transferir a herança. É outro erro. Você tem que pegar a mesma herança que recebeu e dar para o seu filho, ou mais do que recebeu, nunca menos. Então: aumentar ou manter essas florestas nativas; manejá-las ou queimá-las. Como podemos protegê-las? Plantando outras para distrair a voracidade que existe sobre elas; porque, se eu tiver uma madeira plantada, para dela fazer uma mesa, não preciso fazer de ipê. Vamos ter de produzir madeira para diminuir a pressão sobre a floresta nativa. Agora, tem o tema da biodiversidade. Ninguém sabe direitinho o que tem numa floresta tropical, como é que aquela maravilha se organiza. A Amazônia é de uma riqueza tal, que só o Rio Amazonas tem mais espécies de peixes do que o Oceano Atlântico inteiro. É desse nível de loucura aquela riqueza. A gente fala em proteger a biodiversidade, mas antes de tudo tem que ter bio (vida), e hoje não é mais biodiversidade que está comprometida, é a bio, depois vamos pensar na biodiversidade, se não, fecha a equação. É só não cometer muito erro que a biodiversidade estará preservada.

Lana Nowikow: Outro dia você disse uma coisa chocante: é mais importante arrumar uma solução para a emissão de CO2 do que descobrir a cura da aids ou do câncer.

A fixação do carbono é mais importante do que a criminalidade, a aids, a migração de material radioativo para terroristas. Porque, se chegarmos, e parece que vamos chegar, e, 2 ou 3 graus (o aquecimento global), as migrações humanas serão gigantescas, as guerras por invasão de propriedade, as doenças por seca, as inundações e seus correlatos serão gigantescos. A imprensa mundial está focada sobre o problema, a gente já entendeu. Vamos focar sobre a solução! Nós, arquitetos, podemos dar uma contribuição decisiva que é trabalhar no sentido de criar uma cultura construtiva contemporânea, que ponha o CO2 para dentro das cidades, que fixe o CO2.

Sérgio de Souza: Quais outras providências estão sendo tomadas ou precisam ser tomadas para reduzir o grau desses riscos?

Temos de começar a economizar energia. O Al Gore (ex-vice-presidente americano e ecologista, autor de “Terra Viva”) mostra bem quando diz: Vamos gastar menos energias fósseis, vamos usar outras energias. E o filme dele acaba ali, quando está dizendo pra gente plantar floresta e tal. Estamos conversando aqui é sobre o segundo filme. É, uma vez que a gente consiga infletir a curva, como faremos para não deixar que suba de novo. Há coisas que podemos fazer. Por que a gente acorda às 8 e dorme à meia-noite? Por que não acorda às 5, que tem luz, como antigamente, e dorme às 9? É cultural! Teremos muitas coisas para fazer, não precisa tanta energia pra tudo. Por exemplo, da energia que se produz no mundo, a habitação consome 50 por cento. É obsceno! Cinqüenta por cento para produzir o material que você usará para transportar esse material, para construir, fazer a manutenção, jogar lá dentro o ar-condicionado, ou o aquecedor, enfim o ciclo todo. Estamos falando de uma coisa gigantesca dentro do quesito habitação, na construção civil. A indústria toda consome 25 por cento da energia produzida no planeta. Estive na periferia de Viena visitando habitações populares e não acreditei: estava menos de 10 graus lá fora, e 20 graus dentro, sem aquecimento ligado. Eles resolviam tudo com isolamento térmico nas paredes e energia solar no telhado. E olha que sol lá não tem muito.

Thiago Domenici: Quanto de madeira e qual seria o tempo necessário para começar a haver uma queda, com a fixação do carbono usando madeira?

Não tenho a resposta pronta. Mas, se você pegar 1 por cento do eucalipto que se produz no Brasil para celulose, resolve o problema habitacional do país. Essa capacidade nós temos. E temos a capacidade de exportar para tudo que é canto. A gente poderia exportar essa fixação de carbono. Por exemplo, para a China, hoje o país que mais polui, já ganhou dos Estados Unidos. E 10 por cento da poluição chinesa são as fábricas de cimento.

Lana Nowikow: Como é uma fábrica de cimento?

Um forno, e uma fábrica tem vários, é um tubo de 5 metros de diâmetro, mais ou menos, e uns 70 de comprimento, com uma chama que percorre aproximadamente 60 deles permanentemente. Embaixo fica o calcário sendo calcinado, tornando-se cimento. Você apaga rarissimamente, porque se apagar, o choque térmico é muito grande. Então fica jogando CO2 permanentemente para o espaço. Quando você pergunta a estudantes de engenharia, de arquitetura, como se fabrica cimento, às vezes um levanta a mão em platéias de cem. Se tiver dois ou três, você pergunta se foram a uma fábrica de cimento, aí é mais raro ainda.

Lana Nowikow: E como está a conscientização do mundo em relação a utilização de madeira no sentido dessas suas colocações?

Não é homogênea. A consciência nos países do norte da Europa é grande, mas, conforme você vem descendo, diminui rapidamente. No sul da França tem dez anos; nos países nórdicos, trinta. Na Suiça, trinta. Essa consciência existe é crescente, mas ainda é insuficiente. E minha preocupação aqui com vocês é que divulguem essas coisas não como uma panacéia, uma publicidade de madeira, mas que fique claro que tem de ser bem feito, que o erro é possível. Que um projeto de madeira pode ter erros de concepção nessa linguagem, como com qualquer material. Que vai ter de estudar para fazer esse negócio dar certo. Precisa botar tecnologia lá dentro. E ter vontade de fazer madeira pra valer, não ficar fazendo as coisas nostálgicas, chalezinho romântico em Campos do Jordão.

Sérgio de Souza: Existem outros processos de fixação do carbono?

As algas são o segundo possível, mas ainda é caro. Existem outros fantasiosos, de gênio que é pegar o CO2 emitido, comprimir, botar de novo nos poços de petróleo e pôr uma rolha para não sair mais. Estão estudando isto. É o mesmo conceito errado da reciclagem. A gente não recicla lata de cerveja? Então vamos reciclar poluição. Vai lá, pega o CO2 e vê se consegue transformar de novo em petróleo. Não! Pára com isso! Não vamos renovar em vez de ficar reciclando? Você planta alface, come alface, planta alface. Isso é renovável. Agora, o sal que você usa é renovável? Você não pode fazer mais sal. Não pode fazer mais minério, não pode fazer mais areia, não pode fazer mais bauxita. Mas fazer mais madeira você pode. Aí entra a questão do renovável. É o renovável que temos de promover, não o reciclável.

Thiago Domenici: Mas a reciclagem, economicamente, não é um bem?

É nove vezes menos ruim, porque uma lata você recicla uma média de nove vezes. Mas quanta energia você pôs?

Sérgio de Souza: Você gasta mais reciclando ou fabricando?

Gasta um pouco menos reciclando.

Sérgio de Souza: Então a solução seria eliminar as latas?

É lógico.

Michaella Pivetti: O que eu ensino pra minha filha?

Ensine a comprar embalagem de papelão resinado. Se, em vez de comprar cornflakes em uma caixa que tem dentro uma embalagem de alumínio sob pressão, você tivesse um barril de cornflakes ali, pegasse um saquinho de papel, usasse uma alavanca e prensasse e botasse no carrinho e levasse embora, acabou o problema. Inclusive ficaria mais barato, porque a operação industrial de fechar mil saquinhos tem um custo, enquanto se mil pessoas fecharem o saquinho não tem custo. E desse jeito você poderia fazer muita coisa.

Sérgio de Souza: Mas isso não é voltar ao velho armazém?

Sim, vai voltar, mas hi-tech. Porque é mais econômico. Já está voltando. Agora, não será aquela coisa romântica novamente. Será uma coisa muito eficiente e monopolizada.

Sérgio de Souza: Existe um time de idealistas como você batalhando pela fixação de carbono na construção civil?

Não somos idealistas. Somos práticos, estamos fazendo. Tem um time. Em Lausanne e Viena. Julius Natterer e Wolfgang Winter são os papas do negócio. Sabem muito porque estão apoiados em grandes obras feitas e têm grandes institutos atrás. São muito procurados. É surpreendente. Aqui no Brasil, com colegas arquitetos e engenheiros já começamos a trabalhar em parceria.

Vinicius Souto: Outros arquitetos não aceitam a idéia da madeira porque não há ainda essa cultura?

O gatilho é a beleza e o crescimento da idéia é a consciência. A beleza desencadeia o interesse e, uma vez que haja o interesse, a consciência avança. E com beleza e consciência acabou o problema.

Vinicius Souto: Incentivo Fiscal, ajuda ?

Conheço uma historinha que ilustra isso. O (general) Figueiredo tem um filho que era dono de fabriqueta de estruturas de metal para fazer posto de gasolina. Eles insentaram de ICM. Assim, estruturas de metal quando transportadas não pagam esse imposto. O (general) Figueiredo foi embora e a lei ficou. É fundamental que o poder político invente mecanismos para isso acontecer. Na Europa, você tem créditos de fomento para construir em madeira.

João de Barros: Qual o peso da Amazônia na luta contra o aquecimento global?

Dezessete por cento dos gases do efeito estufa é o Brasil que faz, por causa das queimadas da Amazônia. O Amazonas possui 30 por cento da floresta tropical do mundo; 30 por cento da madeira tropical do mundo está no Amazonas. Mas participa apenas com 3 por cento do comércio internacional de madeira tropical. Então, o Brasil tem um peso de sentar nas conferências e não dizer nada, fica todo mundo esperando pra ver se vai dizer alguma coisa, é um potencial simbólico efetivo sem que tenha uma grande participação no mercado mundial da madeira.

Ricardo Vespucci: Quais os preconceitos quanto à aplicação da madeira na construção civil?

As preocupações são fogo, durabilidade, apesar dos cupins e fungos, e resistência. Fogo: a madeira é inflamável, mas se auto-extingue. Já viu as florestas que queimam? Fica tudo de pé, queimado. Como resposta mais objetiva: no fogo, a construção de madeira é mais segura que a de aço. O aço dobra, entra em colapso e você não pode avaliar o risco, o bombeiro nem é autorizado a entrar, porque não se pode estimar quando a construção vai desabar.

Lana Nowikow: E qual o processo para torná-la mais resistente que o aço, no caso de incêndio?

O dimensionamento. Você não trata a madeira para ela não pegar fogo. Você aumenta a sua dimensão para ela, incendiando, agüentar ainda mais tempo. Existem tratamentos sofisticados, por sais, que mineralizam um pouco mais a madeira, o que seria um retardador da temperatura. Mas isso é tão complicado, que é muito mais fácil você botar um pouquinho mais de madeira que já é um isolante — na estrutura de metal também é obrigatório botar um isolante que poucos sabem que custa o preço da própria estrutura.

Lana Nowikow: Usa-se madeira na fundação?

Fundação é concreto. Você faz um buraco e joga concreto lá dentro. O reto é madeira. Colunas, vigas, lajes, até o telhado, e janelas também.

Lana Nowikow: E as paredes?

Para as paredes tem muitos sistemas diferentes de misturar a madeira com acabamento mineral. Madeira rebocada, painéis de palha e madeira mineralizada.

Lana Nowikow: E as pontes de madeira, quanto agüentam?

Tem pontes de madeira na Alemanha, Suiça, Estados Unidos, em tudo quanto é canto, que agüentam cargas de 40 toneladas.

Lana Nowikow: Como fazer pra essa idéia vingar?

Conversando. Estamos começando hoje. Tem um slogan bacana nos Estados Unidos que diz: O melhor momento que tinha pra você plantar uma árvore era quinze anos atrás. O segundo melhor momento é hoje.

Ricardo Vespucci: Fale mais sobre os preconceitos na aplicação da madeira na construção civil?

Pro fogo: mais espessura, aumentando a bitola (largura) da madeira usada. Fungo e cupim, você aplica tratamentos em autoclave, que, por osmose, entram na molécula da madeira e impedem o fungo, vão impedir o cupim de comer aquela madeira. Durabilidade: estão aí os sarcófagos, os templos japoneses centenários, as ruínas jesuítas. Estão aí, mas precisa saber fazer como eles, tem de botar tecnologia.

Tereza Rodrigues: A pergunta que falta é sobre o crédito de carbono?

Vamos poder criar um negócio no Brasil gigantesco de venda de créditos de carbono. Porque os países que poluem precisam comprar créditos de carbono para poder poluir e despoluir de algum jeito. Então, eles compram limpeza. Como? Plantando. Plantando onde? Onde por cada dólar você seqüestra mais. Onde é? É aqui. O Brasil tem o maior potencial vendedor de crédito de carbono do mundo.

2 comentários:

Consciência ambiental disse...

Caruana é um grande apaixonado pelas madeiras, um grande estudioso do assunto, além de um cérebro brilhante capaz de buscar sempre soluções simples e espetaculares nesta sua especialidade. A utlização da madeira e seus benefícios sempre fez parte de seus ensinamentos e não seria de admirar que agora não viesse a apresentar uma proposta desta natureza que, sem dúvidas,com um bom planejamento, apoio, mais pesquisas, injeções de tecnologia e ampla divulgação, pode perfeitamente ser viável e gradativamente ser implantada de modo a conseguir-se os resultados que ele prevê.
Parabéns Caruana.
Você continua brilhante, como sempre.
A velha e saudosa amiga
Regina do Rio

Anônimo disse...

Muito interessante o artigo. Tenho uma dúvida. Pelo que eu sei o tratamento em autoclavagem torna a madeira extremente tóxica se ela for queimada. Existem outras formas de proteger a madeira?